sábado, 11 de outubro de 2008

Diálogos


-E aí, o que me conta?
-Acho que tá tudo bem.
-Tem sentido alguma dor?
-Não...
-Então vamos começar a sessão.

Minutos depois...

-E essa crise mundial?
-É...
-Mas como você está enxergando tudo isso?
-As ações estão despencando, a bolsa fechando emergencialmente, o dólar já subiu, e ainda assim, acho que para a nossa economia não será tão grave. Os preços estão subindo, é claro, e os investidores que foram na onda do noticiário...
-Eu investi, justamente no mês passado.
-Nossa, que coisa, mas não há de ser nada. A situação vai estabilizar logo.
-É, não vou me precipitar nem ouvir o que dizem por aí...

Para ser sincera não tenho muito saco para esse papo puxado. É como falar do clima ou da violência em situações corriqueiras, com desconhecidos intrometidos. Mas quando se conhece a pessoa é mais difícil, não dá para ser indelicada. Aí resulta num diálogo preguiçoso e sem criatividade alguma, pois se repete o que está nos jornais. Isso não significa ignorância de ambas as partes.É algo tão mecânico, que não vale a pena evoluir a discussão, ainda mais sobre esses temas, que prefiro nem comentar, muito menos às 8 da manhã.

Consegui abortar aquele assunto e um momento de silêncio veio a calhar. Eu estava mesmo com o pensamento longe dos Estados Unidos, da Bolsa de Valores, das eleições. São tantas coisas acontecendo por perto que chego a me sentir meio alheia por considerar todo o resto insignificante. Acho que sou meio egoísta por hierarquizar o meu mundinho de urgências reflexivas, mas é assim que me comporto. E percebi que não sou tão egoísta e alheia assim.

O inferno sempre são os outros, e por isso ainda sou infernizada por eles. Estudando no centro da cidade, é comum ser exposta a cenas que não são agradáveis aos olhos. Mas dessa vez foi como se nunca tivesse visto aquilo.

Um homem, idoso, andando rápido pela calçada, atropelando as pessoas, passava por mim sem que eu identificasse sua aparência(se era negro, branco ou maltrapilho, não importava). Quando, de repente, como num desabafo, abaixou as calças e gritou, enquanto defecava, aliviando as suas necessidades. Fiquei perplexa com a imagem do estado primitivo em que aquele ser humano se encontrava, sem pudores, na frente de todos, em pleno século XXI!

Passei um bom tempo sem pronunciar palavra nenhuma, sem algum sentido, enquanto as pessoas caminhavam do meu lado comentando o "quadro". Após alguns dias com a imagem recorrente nos meus pensamentos, cheguei à conclusão de que não foi uma experiência reveladora, mas importante, ao saber que ainda posso me chocar com as coisas, me sensibilizar ao próximo.

Entre um exercício e outro a cena me vinha à cabeça como há dias estava acontecendo. No instante do ocorrido me senti um pouco daquele excremento também! Por pensar que parte da miséria e da insanidade das pessoas é culpa minha e de todos os outros (da da economia, da política, dos EUA e de você); por encarar como um problema algo sem tamanha importância; pela minha impotência diante das situações que envolve pessoas que amo ser uma merda mesmo; e que, se não estragasse as melhores coisas por achar que elas não são do jeito que sempre imaginei, tudo seria mais fácil...

Após a mais longa sessão de fisioterapia em que já estive:

-Pode levantar. A partir de hoje você não precsa mais vir!Está liberada.
-Tá...Obrigada, estou mesmo me sentindo melhor.

3 comentários:

Lucas Pimenta disse...

Encontro-me meio que diariamente numa sessão dessas.
Trabalhar numa escola pública é meio que ver esse contraste social todo dia.
Nenhum setor público é tão desvalorizado quanto a educação.
Trabalhar lá é sonhar para se decepcionar.
Mais desistir de sonhar, desistir de lutar por melhoras, é desistir de viver.
Vai ter sempre uma situação como essa...
Sempre haverá o "senhor defecando na rua"...
Enquanto esse país não mudar...
E infelizmente, talvez só a geração dos nossos filhos, ou dos filhos deles, possam ver essa luz no fim do túnel...
Daqui de onde estamos, por mais que pessoas como nós façamos a nossa parte...
O túnel ainda é só escuridão.

Parabéns Lari.
Sempre fantástico ler você!
E sempre o desejo de dois dedos a mais de prosa.

Beijão!

Lucas Pimenta disse...

esperando o novo texto há algum tempo já!

bso disse...

Amigaa
Entrei no seu orkut e ve seu blog.
Amei os textos!
Vc está ou melhor sempre esteve escrevendo divinamente!
Escreve mais!
E quando escrever me fala para eu passar aqui e ler um pouco de minha Lalaaa!
Amo-te!
Saudades!